sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Áticos

Texto extraído do livro “Pêssego Gay / Architectusaurus Erectus”, publicado pela Editora Insular de Florianópolis em 2002. ISBN : 85 – 7474 – 137 – x.

Quando foram construídos os primeiros prédios altos na cidade foi necessária a criação de áreas acima do último pavimento, que servissem para abrigar as casas de máquinas dos elevadores e os reservatórios de água: eram os áticos. Com o surgimento da figura do zelador, nos prédios, a legislação foi alterada permitindo que os apartamentos em que eles residiriam ocupassem a área antes destinada aos equipamentos, que foram remanejados para ficarem sobre estes semi-andares. Isto ocorreu nos primórdios da verticalização das obras na área central.
À medida que a cidade foi crescendo, surgiu um segmento de compradores de apartamentos que se dispunham a pagar valores altos pelo direito de possuir aquelas coberturas. Como resultado desta “pressão do mercado”, os zeladores foram transferidos para os pavimentos térreos, e as coberturas passaram a ser vendidas como unidades autônomas ou configurando apartamentos “duplex” com o andar inferior.
O Plano Diretor de 76 determinava que os áticos poderiam ocupar, no máximo, o equivalente a 1/3 do pavimento abaixo; esta era a teoria, pois na prática a história era outra. Os compradores de coberturas ou apartamentos duplex aumentavam a área, chegando a ocupar 50%, ou mais, da área da laje.
O Plano de 97 manteve a restrição de 1/3, mas um vereador, sintonizado como o “drama moral dos possuidores de apartamentos de cobertura”, conseguiu aprovar uma lei determinando que os áticos poderiam ocupar até 50%; desde então, os acréscimos ilegais chegam a 75 e, em vários casos, a 100%.
Dentre a infinidade de transgressões cometidas em relação às leis que regulamentam as obras em Florianópolis, a dos áticos tem uma característica especial: ela é uma contravenção restrita à parcela mais rica da população.
Podem-se alterar rebaixos, aumentar a altura de muros ou criar gradis nos alinhamentos de forma quase imperceptível; os vizinhos provavelmente já fizeram o mesmo, mas não há como esconder as obras de ampliação ilegal de uma cobertura; elas ficam no topo, a parte mais visível dos prédios. Esta tem sido uma prática comum. Cerca de 80% dos áticos existentes em Florianópolis possuem acréscimos ilegais.
Você poderia perguntar: “Onde está a fiscalização?” “Não existem multas para este tipo de coisa?”
Existe fiscalização e as multas são altas, mas jamais ouvi falar de algum proprietário de apartamento de cobertura com ampliações ilegais que houvesse sido multado ou obrigado a demolir a obra irregular. Aparentemente os fiscais da municipalidade são recrutados entre a parcela da população com graves problemas de deficiência visual.
Leis que contrariam o bom senso não funcionam; atestam a hipocrisia e falta de sintonia das autoridades com a população. Cada nova regulamentação absurda publicada no Diário Oficial aumenta o poder dos técnicos municipais que irão aplicar a “dificuldade” e, paralelamente, os lucros resultantes da venda de “facilidades”.
Esta indústria da “criação de obstáculos” transformou-se no inferno astral dos escritórios de arquitetura e engenharia que insistiam em manter uma postura ética, não pagando propinas ou contratando consultorias.
A cada nova “leizinha”, que engorda o caixa dos “consultores”, os engenheiros e arquitetos vêem seus projetos emperrarem nos escaninhos da SUSP, ficam desacreditados junto aos seus clientes, que são levados a supor que eles são incompetentes por não conhecerem a legislação municipal.

Legislação :

Lei 2.193 / 85 (Balneários)

Art. 47 A altura das edificações não poderá ultrapassar o número máximo de dois pavimentos conforme a tabela do Anexo IV.

§ 2° Não serão computados, par efeito único de determinação de gabarito, os sub-solos, os áticos ou andares de cobertura quando a área coberta não ultrapassar a ½ (um meio) da superfície do último pavimento da edificação, chaminés, casas de máquinas e demais instalações de serviço implantadas na cobertura, e os pavimentos em pilotis, quando abertos e livres no mínimo em 70% (setenta por cento) de sua área. (NR3)

§ 6° Não será admitida a utilização de Áticos em Áreas Residenciais Exclusivas, para as edificações residenciais unifamiliares. (NR8)

Art. 50 Para o cálculo do número máximo de pavimentos, a distância máxima entre pisos é fixada em 3,60m (três metros e sessenta centímetros), com exceção do pavimento térreo que poderá ter a altura de 5,50m (cinco metros e cinqüenta centímetros) quando destinado a usos comerciais e de serviços.

§ 1º - Na hipótese de ocorrerem entre os pisos, alturas maiores que as referidas neste artigo, a soma dos excessos contará como um ou mais pavimentos consoante o valor obtido.
§ 2º - A altura máxima do conjunto formado pelo ático, casa de maquinas e demais
instalações de serviço implantadas na cobertura é de 7,20m (sete metros e vinte centímetros).

LEI COMPLEMENTAR Nº 060/2000

Art. 3º Para os efeitos de aplicação deste código, são adotadas as seguintes definições:

XI - Ático: pavimento de cobertura de uma edificação, possuindo área coberta menor que a dos pavimentos inferiores, de acordo com limites fixados em lei;
XLI - Jirau: mezanino construído de materiais removíveis;
LIX - Pé-direito: distância vertical medida entre o piso acabado e a parte inferior do teto de um compartimento, ou do forro falso, se houver;
LXXVIII – Sótão : pavimento resultante do aproveitamentodo vão sob a cobertura da edificação em que a face superior da laje de piso esteja em nível igual ou superior ao do início do telhado com inclinação inferior a 45º (quarenta e cinco graus)

Art. 85 A construção de mezaninos e jiraus é permitida desde que não sejam prejudicadas as condições de ventilação, iluminação e segurança, tanto dos compartimentos onde estas construções forem executadas, como do espaço assim criado.
Art. 86 Os jiraus e mezaninos deverão atender às seguintes condições:
I - permitir passagem livre com altura mínima de 2,40m (dois metros e quarenta centímetros) nos dois níveis de sua projeção;
II - ocupar área equivalente a, no máximo, 30% (trinta por cento) da área do compartimento onde for construído;
III - ter acesso exclusivo, através do compartimento onde se situar, por escada permanente.


Os fatos :

Dentre as inúmeras transgressões à legislação de uso do solo em Florianópolis destacam-se as alterações nos áticos dos edifícios. Inicialmente as ampliações ilegais ocorriam apenas no sentido horizontal registrando-se casos nos quais, por descaso ou cooptação dos técnicos do município, estes pavimentos foram aumentados até apresentar área igual aos pavimentos tipo.
Uma vez alcançado este limite a tão decantada “criatividade brasileira” foi posta à prova e a resposta as limitações horizontais foi o crescimento vertical dos áticos.
No início desta decada surgiu na paisagem de Florianópolis o “Ático com dois níveis”. A leitura da legislação referente a este assunto é cristalina : os áticos, tal como os demais pavimentos dos prédios, tem sua altura limitada a um total de 3,60 m. fica assim inviabilizada qualquer interpretação que permita a criação de jiraus ou sótãos.
Novamente os técnicos autorizaram, ou “ignoraram”, reformas e construções novas nas quais os áticos com jiraus são admitidos. De acordo com os termos das leis em vigor, estes áticos com pés direitos duplos determinam que ocorreu uma extrapolação do número de pavimentos permitidos, infringindo os limites impostos pelo zoneamento.

Solução :

A – Eliminar por completo a figura do ático na legislação de uso do solo em Florianópolis.
B – Aumentar o gabarito de todos os zoneamentos em vigor acrescentando um pavimento àqueles já permitidos.
C - Manter o zoneamento existente e contratar uma auditoria privada para realizar uma investigação idônea na SUSP e no IPUF.