segunda-feira, fevereiro 27, 2006

A origem do problema

Os fatos :

Em 1988 o Sr. Espiridião Amin foi reeleito prefeito da cidade. Sabia-se na ocasião que aquele seria um mandato curto, menos de dois anos, pois ele pretendia candidatar-se, em 1990, a uma vaga no senado, o que de fato veio a ocorrer.
No curto período em que administrou o município pela segunda vez promoveu a modernização promulgando leis que atualizaram o Plano Diretor de 1976 e, simultâneamente, deu início a um processo de enfraquecimento destas leis através de atos que não contaram com respaldo legal.
Naquele período Curitiba foi consagrada como a capital mais bem planejada do Brasil, algumas das inovações urbanísticas lá adotadas foram divulgadas e premiadas internacionalmente.
Uma delas foi a criação de um sistema que agilizava as tomadas de decisão em relação a novas obras. A cada proposta de empreendimento não convencional, ou que entrava em choque com a legislação vigente, reunia-se um comitê integrado por técnicos do Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba e os empreendedores para “acertar os ponteiros”. Ali eram tomadas decisões que eventualmente exigiam alterações das leis, o que também era feito de forma ágil pela Câmara de Vereadores.
O hábito de copiar idéias alheias entrou em cena.
Prefeitos de outras capitais implantaram em suas cidades versões “personalizadas” das soluções de Curitiba. O prefeito Amin foi um deles. Criou em Florianópolis um evento semanal que passou a ser conhecido, no universo local da construção civil e os funcionários públicos, como “as reuniões das quintas-feiras”.
Em Florianópolis, até a década de oitenta, os envolvidos com obras, incluindo empresários, técnicos e funcionários dos órgãos encarregados do planejamento e aprovação de projetos formavam um grupo no qual, se não pessoalmente, mas pelo nome, todos se conheciam.
O titular da SUSP sempre era alguém conhecido no meio com quem os profissionais da área de projeto tinham contato e ao qual tinham facilidade de acesso. Assim, quando surgiam questões similares àquelas de Curitiba, elas eram resolvidas de forma simples, em reuniões onde prevaleciam o bom senso, os critérios técnicos e a legislação.
Esta facilidade também era conseqüência de dois outros fatores. O primeiro é que, até então, poucos projetos inovadores haviam sido apresentados às autoridades ; quando obras diferenciadas eram propostas, a discussão era diretamente encaminhada ao IPUF e à Câmara.
O segundo é que naquela época, havia pouca gente disposta a burlar de forma escancarada as leis de uso do solo.
As reuniões das quintas-feiras encerraram o período em que problemas desta natureza eram resolvidos diretamente entre os profissionais da área de projetos e o primeiro escalão da SUSP. Estes assuntos passaram a ser colocados em pauta frente a um “comitê”. O prefeito comandava as reuniões cercado por seus acessores, aqueles que tinham algo a discutir ou pleitear formavam a platéia.
O que inicialmente pareceu uma idéia inovadora acabou se revelando uma “via rápida” para legalizar algumas obras que sob a ótica da legislação vigente seriam inviáveis.
Aqueles que antes lidavam diretamente com a SUSP passaram a depender de intermediários ; ao tentar dirimir pequenas dúvidas nem perceberam que seus problemas eram de menor importância naquelas reuniões, pois ali, escamoteadas entre discussões relativas a interpretação das leis foram “legalizados” vários projetos e obras inviáveis segundo o Plano Diretor e/ou o Código de Obras.
O prédio cuja imagem é vista abaixo foi apresentado em uma destas reuniões.
Dentre a platéia encontrava-se um cidadão que demonstrou intimidade com o prefeito pois não o tratava como autoridade mas como amigo. Ele havia construído um centro comercial em um terreno com duas frentes, uma para a avenida Beiramar e outra para a rua Bocaiuva. No projeto aprovado pela prefeitura o prédio seria composto de um subsolo, destinado a garagens, e dois pavimentos com lojas ; na obra foram executados três pavimentos comerciais, as vagas de garagem do subsolo deram lugar a lojas.
Em circunstâncias normais não haveria o que discutir. Ocorrera um desvio de finalidade : o subsolo deveria retornar à sua condição de garagem, mas aquelas não eram circunstâncias normais.
O prefeito confabulou com seus acessores e comunicou ao amigo que não havia como resolver o caso. O cidadão apelou :
“Prefeito, minha família é dona da metade daquele quarteirão, eu construo as garagens depois em um terreno ao lado”.
O prefeito perguntou : “Você jura” ? O amigo confirmou : “Juro”. O prédio obteve o habite-se.
O empreendimento até hoje apresenta três pavimentos comerciais e as garagens jamais foram construídas.
Uma das conseqüências desta decisão tomada em uma quinta-feira de 1989 é que, desde então, a rua Bocaiuva, uma das mais movimentadas da cidade, tem um ponto de estrangulamento em frente a este centro comercial, pois ali, apesar das placas que indicam a proibição, sempre são encontrados automóveis estacionados.
Com a inauguração do Beiramar Shopping o empreendimento entrou em decadência, um dos fatores que contribuiu neste sentido foi a falta de vagas de garagem.